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ANTES E DEPOIS Quando assumiu a prefeitura da pequena Silverton pela primeira vez, em 1988, Stu Rasmussen tinha a aparência abaixo; na volta ao cargo, no dia 20 de janeiro, ele vai de guarda-roupa novo, silhueta mais curvilínea e um implante de seios; só a namorada ainda é a mesma |
No dia 20 de janeiro, os EUA assistirão à posse do primeiro presidente negro da sua história. No mesmo dia, a cidade de Silverton (Oregon) verá uma pessoa de saia, salto alto, unhas vermelhas e longos cabelos ruivos assumir a prefeitura local. Trata-se de Stu Rasmussen - ou Carla Fong, seu alter ego -, que, aos 60 anos, tornou-se o primeiro prefeito transgênero dos EUA. Fato inédito para o país, mas não para Rasmussen. Quando ainda usava ternos, ele administrou a cidade entre 1988 e 1992. Depois, o ex-projetista de cinema começou a mudança que o transformou na moça da foto ao lado. Fez uma cirurgia para implantar seios - que ele chama de "twins" (gêmeos) - e deixou cabelos e unhas crescerem.
Rasmussen tem uma namorada, Victoria. Ela deu todo o apoio para a mudança e até ajuda o namorado a escolher as roupas justas com as quais ele desfila pela cidade. E são justamente essas peças que estão provocando o maior problema do eleito antes da posse. Ao perder a eleição para Rasmussen, o atual prefeito, Ken Hector, estabeleceu um código de conduta no prédio da prefeitura. O principal ponto do documento, claro, tem a ver com os trajes. Tudo para evitar que Rasmussen - com suas "roupas de prostituta de US$ 3", segundo Hector - conquiste ainda mais atenção. Outro problema extrapolítico são os protestos homofóbicos da igreja batista Westboro, de Topeka (Kansas). Mas o prefeito eleito não está nem aí. Pelo menos é o que ele diz em conversa com Galileu.
Antes da primeira pergunta de fato, ao ser questionado se preferia ser tratado por "senhor" ou "madame", respondeu: "Me chame de Stu". E assim começou o papo a seguir.
Galileu: Quais são as principais diferenças entre a sua plataforma em 1988 com a que levou você de volta à prefeitura de Silverton?
Stu Rasmussen: Em 1988, queríamos promover o crescimento da comunidade, para ampliar a população e diluir nossos custos operacionais fixos. Essa plataforma deu mais certo do que havíamos previsto. E, nos últimos anos, o crescimento populacional foi desenfreado. Na última eleição, a minha plataforma era oposta: conter o crescimento, melhorar a responsabilidade fiscal - por meio da eliminação de gastos desnecessários - e tornar mais completos os serviços de segurança pública.
Galileu: Quando e como você teve a idéia de implantar um par de seios, cultivar um novo penteado e mudar seu guarda-roupa?
Rasmussen: Eu tenho sido um "crossdresser" [homem que se veste de mulher e vice-versa] durante toda a minha vida. E, na minha opinião, o nirvana dos "crossdressers" é um par de seios insinuado pelo decote. Pensei nisso por anos e finalmente tive a coragem de encarar a cirurgia. Todo o processo teve início há cerca de dez anos. Hoje, os cabelos são os meus mesmo, embora com uma cor diferente. E eu venho comprando roupas e sapatos ao longo desses anos.
Galileu: Por que você batizou o seu alter ego com o nome de Carla Fong?
Rasmussen: Uma sequência engraçada do filme "It's a Gift" (1934), de W.C. Fields, forneceu a centelha. O personagem que protagoniza a cena se chama Carl LaFong. Foi só ajustar umas letras.
Galileu: Você escolhe suas roupas e acessórios ou tem alguma consultora? Como desenvolveu o estilo de Carla?
Rasmussen: Eu e a adorável senhora Victoria, minha namorada, somos consumidores inveterados e caçamos roupas interessantes em lojas com promoções. Ela dá conselhos sobre moda que, geralmente, adoto. Desenvolvi meu estilo com base naquilo que fica bem em mim. E, reconheço, ocasionalmente procuro peças com o maior potencial possível para atrair a atenção.
Galileu: Como você descreve o seu gênero?
Rasmussen: Digo que sou cerca de meio a meio.
Galileu: Você afirmou que gostaria de fazer um transplante de face. Por quê? E quanto ao resto do seu corpo, está satisfeito?
Rasmussen: Quando disse isso, minha intenção era fazer uma brincadeira. Mas sei que o meu rosto não é o meu melhor atributo. Por outro lado, a minha silhueta é capaz de atrair atenções, e um rostinho bem-feito tornaria a coisa ainda mais divertida. Mas sou realista e contente com o que eu tenho. A palavra que uso para descrever a minha aparência é "butterface" [geralmente utilizada nos EUA para descrever mulheres de corpo espetacular, mas de rostos pouco atraentes]. É uma coisa do tipo boas pernas, silhueta bacana, tudo é bom exceto a cara.
Galileu: Qual foi a sua reação quando, inspirado na sua mudança, o atual prefeito estabeleceu um código controlando os trajes de quem vai à prefeitura?
Rasmussen: Acho que isso foi um ataque pessoal do atual prefeito [Ken Hector]. Nós não somos exatamente amigos. Fiz o que pude para derrubar essa medida, mas não obtive sucesso. Mas, mesmo depois que ela entrou em vigor, continuo entrando no prédio da prefeitura como se a determinação não existisse.
Galileu: Depois da cirurgia, você e sua namorada se separaram. Qual foi a sua estratégia para trazer Victoria de volta?
Rasmussen: Na verdade, durante a cirurgia, ninguém me apoiou mais que Victoria. Nós nos separamos devido a outras questões da nossa relação. Depois de um ano distantes, voltamos a conversar, resolvemos as diferenças e retomamos nossa vida juntos. Ela continua a minha grande incentivadora e é o amor da minha vida.
Galileu: Como você enfrenta a pressão de grupos religiosos, que promovem até protestos contra as suas escolhas?
Rasmussen: O apoio da comunidade de Silverton, líderes religiosos incluídos, tem sido espetacular. É um povo acolhedor e tolerante. Venha nos visitar e veja com seus próprios olhos. Há, todavia, os lunáticos de um grupo do meio-oeste americano. Eles se identificam como uma "igreja" e invadem a nossa cidade para protestar, mas a chiadeira não dá resultado. É esse mesmo grupo que procura publicidade desrespeitando a bandeira do nosso país e fazendo piquetes em funerais de veteranos de guerra. Para ter uma noção do quanto eles são doentes, dê uma passada no site God Hates Fags [algo como Deus Odeia Boiolas - www.godhatesfags.com].
Galileu: Em 2008, os norte-americanos elegeram o seu primeiro presidente negro e o primeiro prefeito transgênero. O país está mudando?
Rasmussen: Eu não sei se alguma coisa mudou de verdade. Mas acredito que nós estamos assistindo ao ressurgimento de uma população de eleitores mais interessados em levar ao poder líderes competentes, sem se preocupar com as aparências que eles possam ter.
Galileu: Você é republicano ou democrata?
Rasmussen: Nenhum dos dois. Eu sou o que é classificado por aqui como cidadão não-alinhado. Fui membro do Partido Democrata por um tempo, mas desisti há uns dois ou três anos.
Galileu: Com o seu novo visual, suponho que você esteja atraindo a atenção de homens. Já levou muitas cantadas?
Rasmussen: Silverton tem apenas 9.500 habitantes. Ou seja, todo mundo conhece todo mundo. A atração que eu exerço sobre os homens se dissipa rapidamente quando eles interrompem o possível flerte com a frase: "Oh, é o Stu!". Damos muitas risadas quando isso acontece. Quando me aventuro para fora da cidade, sinto-me bem quando alguém assovia pra mim. Mas já vou avisando: sou hétero, comprometido e não estou disponível para nenhuma oferta masculina. Desculpem-me, rapazes!
Galileu: A sua vida sexual mudou depois da cirurgia e do novo visual?
Rasmussen: Devido à cirurgia e ao fato de a Victoria ter me deixado, pensei que a minha vida social seria cada vez mais vazia. Afinal, que outra mulher se interessaria por um homem que se veste como ela e tem um par de seios tamanho 44? Por incrível que pareça, essas mulheres existem. E foi muito bom ter descoberto que eu ainda era interessante para o sexo oposto. Apesar de o meu pacote ser um pouco diferente.